Ter competência digital é um pré-requisito para o professor – ainda mais no futuro
A Unesco considera as competências digitais como uma das aptidões fundamentais para o desenvolvimento ao longo da vida. Mas e os profes com isso?
Quem está vivo e antenado nesta década sabe: desenvolver competências digitais se tornou indispensável. Afinal, grande parte de nossas tarefas cotidianas dependem delas, e a tendência do mundo contemporâneo é que os recursos digitais ocupem cada vez mais espaço em nossas vidas.
Hoje em dia, responder uma mensagem no WhatsApp se tornou tão corriqueiro quanto passar um café, assim como é muito mais provável que você assista um filme em plataformas de streaming do que no cinema. Mas como tudo isso impacta a escola? E, mais precisamente, como os profes do futuro devem se preparar para essa nova realidade?
O que são competências digitais?
A Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura) considera a competência digital como uma das oito aptidões fundamentais para o desenvolvimento ao longo da vida. Ela é necessária para a comunicação, relacionamentos, vivência cultural e desenvolvimento de atividade produtiva na sociedade.
Especificamente para os profes, as competências digitais podem ser entendidas como a “mobilização de conhecimentos, atitudes, práticas, valores e comportamentos que os professores devem ter para saber usar tecnologias digitais de forma a desenvolver um aprendizado crítico, colaborativo e criativo com os alunos”, segundo o CIEB (Centro de Inovação para a Educação Brasileira).
“Essa definição tem alguns pontos importantes, que reiteram o fato de que ser competente digitalmente não é apenas ter habilidades no uso de recursos digitais, mas também como fazemos isso em nossa profissão e com qual intencionalidade pedagógica”, afirma Julci Rocha, fundadora da Redesenho Educacional e integrante do grupo de pesquisa internacional Competências Digitais Docentes (PUC/SP). “Portanto, não se trata de qualquer uso dos recursos digitais na sala de aula, mas um uso intencional, sistemático e centrado no aprendizado crítico, colaborativo e criativo.”
Na educação, a cultura digital tornou-se uma exigência da BNCC (Base Nacional Comum Curricular) e está na lista de 10 competências gerais a serem desenvolvidas nas escolas. “É possível perceber a consonância entre essa definição de competência digital docente e o conceito de Cultura Digital da BNCC”, observa Julci. A BNCC é um documento que define o conjunto de aprendizagens essenciais que todos os alunos devem desenvolver ao longo dda Educação Básica.
Quais são os caminhos para desenvolver essas competências?
Em geral, as redes públicas brasileiras oferecem algumas atividades formativas para professores envolvendo recursos digitais – principalmente as estaduais. No entanto, o que se promove ainda é pouco eficiente, de acordo com Julci.
A edição de 2019 da pesquisa TIC Educação revelou que 79% dos docentes relatam ausência de cursos específicos para ajudá-los a usar computador e internet nas salas de aula. “Na formação inicial não é diferente. Os currículos de licenciatura ainda dão pouca ênfase às competências digitais, o que é percebido em pesquisas de mestrado e doutorado que se dedicam a esse tema. Eu tive a oportunidade de conversar com universidades consideradas inovadoras que ainda sentiam dificuldade de formar seus docentes para desenvolver as competências digitais dos licenciandos”, observa a pesquisadora. “Embora ainda tenhamos um cenário não tão animador no que se refere à formação inicial e continuada, há movimentos dentro das redes, em algumas universidades, no terceiro setor e também em consultorias especializadas que se debruçam em soluções eficazes para essa realidade.”
Na carreira docente, a formação inicial existe para estruturar de forma sólida a sua base de conhecimentos, sendo capaz de criar no professor habilidades como autonomia e responsabilidade. Já a formação continuada se dá, durante toda a trajetória docente, por meio de reflexão crítica sobre as suas experiências profissionais.
Também é possível que os profes se movimentem por si só para buscar essa atualização. “Para além da autoavaliação do CIEB (mais informações a seguir), há muitos conteúdos gratuitos na internet que podem ser estudados em conjunto por comunidades informais, criadas por professores da mesma escola ou de escolas diferentes. Sem a reflexão sobre a prática vinculada com a experimentação, dificilmente vamos avançar”, argumenta.
Como posso avaliar minhas competências digitais?
Em 2019, o CIEB definiu um conjunto de competências digitais (2019), que estão refletidas em sua ferramenta de autoavaliação das competências digitais docentes, disponível gratuitamente na internet. Elas estão divididas em três áreas:
- Pedagógica: Efetivar o uso das tecnologias educacionais para apoiar as práticas pedagógicas do professor;
- Cidadania digital: Usar as tecnologias para discutir a vida em sociedade e debater formas de usar a tecnologia de modo responsável;
- Desenvolvimento profissional: Usar as tecnologias para garantir a atualização permanente do professor e o seu crescimento profissional.
“Essa autoavaliação ajuda os professores e instituições de ensino a entenderem sua realidade diante das competências digitais”, aponta Julci. “Ressalto que ser competente digitalmente enquanto docente demanda que esse professor também inove em suas metodologias, para que o estudante seja cada vez mais protagonista da experiência didática.”
E por quê tudo isso importa?
Julci Rocha acredita que já vivemos o momento em que as competências digitais são um requisito para exercer a docência. “É muito difícil considerar que um estudante tenha sido plenamente desenvolvimento em sua formação se não tiver desenvolvido suas competências digitais. Para isso, os professores devem ser os primeiros a serem verdadeiramente considerados em políticas públicas sérias, robustas e de larga escala que propiciem esse desenvolvimento de suas competências digitais”, defende.
“Mas sem infraestrutura nas escolas, recursos digitais disponíveis para os professores e lideranças engajadas nesse processo, a formação também fica enfraquecida”, critica Julci. E arremata: “precisamos cobrar que as políticas já existentes, como é o caso do Programa de Inovação Educação Conectada, do Ministério da Educação, seja eficaz e de larga escala. Estamos em um ótimo momento para isso, com cargos públicos sendo renovados por meio da eleição.”
